Perdimento de veículo por mercadoria irregular: limites da responsabilidade do proprietário de boa-fé
A apreensão em fiscalização aduaneira não autoriza, por si, a perda definitiva do bem do proprietário que não participou da infração. Conheça a moldura legal, a orientação dos tribunais e os passos práticos para resguardar seu patrimônio.
Tags: perdimento de veículo, responsabilidade do proprietário, direito aduaneiro, devido processo legal, STJ
1) Contexto: quando há risco de perdimento
Em operações de fiscalização, veículos de carga podem ser apreendidos quando transportam mercadorias de origem ilícita ou desacompanhadas de documentação. Nesses cenários, a autoridade aduaneira costuma instaurar procedimento e propor a pena de perdimento. Todavia, quando a infração é atribuída a terceiro (condutor, arrendatário, subcontratado), o ordenamento jurídico impõe filtros estritos antes de atingir o patrimônio do proprietário de boa-fé.
2) Base legal essencial
Regulamento Aduaneiro (Decreto 6.759/2009), art. 688, § 2º: exige procedimento administrativo específico para apurar a responsabilidade do proprietário quando a infração for praticada por terceiro.
Constituição Federal, art. 5º, LIV e LV: assegura devido processo legal, contraditório e ampla defesa, aplicáveis ao procedimento sancionatório.
Código de Processo Civil, art. 300: tutela de urgência para suspender efeitos do perdimento diante do risco de alienação do bem e da probabilidade do direito.
3) Entendimento dos tribunais
Súmula 138 do TFR: “o perdimento de veículo utilizado em contrabando ou descaminho somente se justifica se demonstrada, em procedimento regular, a responsabilidade do proprietário”.
Os tribunais superiores firmaram orientação de que a medida de perdimento — de natureza gravosa — não pode ser aplicada automaticamente ao proprietário que não praticou a conduta ilícita. Exige-se prova robusta de má-fé ou benefício direto. Em casos envolvendo transportadoras, locadoras e proprietários alheios ao fato, o Judiciário tem vedado a perda definitiva do bem quando ausente demonstração de participação ou conivência.
4) Direitos do proprietário de boa-fé
4.1. Devido processo e prova de responsabilidade
A Administração deve instaurar procedimento próprio, oportunizando defesa e produção de provas. A simples apreensão do veículo não supre a exigência legal nem desloca o ônus probatório para o proprietário.
4.2. Restituição ou indenização
Reconhecida a ausência de responsabilidade, impõe-se a restituição do veículo. Se já houver alienação, é cabível indenização correspondente ao valor de mercado do bem, acrescida dos consectários legais.
5) Estratégia processual recomendada
- Documentação: contrato de arrendamento/locação, CRLV/RENAVAM, apólice de seguro, RNTRC/ANTT, laudos e registros de rotas que evidenciem o uso lícito do veículo.
- Processo administrativo: requerer acesso integral ao procedimento, com espeque no art. 5º, XXXIII, CF/88, para verificar a observância do art. 688, § 2º, do RA.
- Tutela de urgência (CPC, art. 300): pleitear suspensão imediata dos efeitos do perdimento, vedação de leilão/transferência e nomeação do proprietário como depositário fiel até o julgamento.
- Prova de boa-fé: demonstrar inexistência de benefício, ciência ou participação do proprietário na infração cometida por terceiro.
6) Perguntas frequentes
Perdimento é automático quando o veículo transporta mercadoria irregular?
Não. A responsabilização do proprietário requer procedimento específico (RA, art. 688, § 2º) e prova de má-fé ou benefício direto. A simples apreensão não basta.
O que acontece se o veículo já foi leiloado?
Persistindo a boa-fé do proprietário e a ausência de responsabilidade, é possível buscar indenização equivalente ao valor de mercado do bem, com atualização e demais consectários.
É possível uma decisão rápida para impedir o leilão?
Sim. A tutela de urgência (CPC, art. 300) pode suspender os efeitos do perdimento e vedar a alienação até o julgamento do mérito.
7) Conclusão
O perdimento de veículo não pode atingir o proprietário de boa-fé sem demonstração específica de responsabilidade, apurada em procedimento regular. A Constituição assegura defesa plena e controle jurisdicional, e a jurisprudência repele a aplicação automática da medida. Diante de apreensão ou risco de leilão, a resposta célere e tecnicamente estruturada é decisiva para preservar o patrimônio e a continuidade da atividade econômica.
Fale com nossa equipeReferências legais citadas
- Decreto 6.759/2009 (Regulamento Aduaneiro), art. 688, § 2º.
- Constituição Federal, art. 5º, incisos LIV e LV.
- Código de Processo Civil, art. 300.
- Súmula 138 do Tribunal Federal de Recursos.